Análise – Outlast 2
O mundo dos games cresce cada vez mais ao passo que populariza gêneros e franquias específicas, havendo um “universo” de oportunidades a ser desbravado por praticamente todos os gostos, desde a ação desenfreada sobre quatro rodas dos atuais jogos de corrida a poesia intimista e fascinante de muitos títulos considerados “indie“.
Em meio a este cenário, popularizou-se em meados dos anos 90 o segmento “survival horror“, onde a premissa básica é tomar susto e sobreviver em meio ao terror psicológico e visual. Tendo como precursores jogos como Resident Evil, Silent Hill, dentre outros, o gênero parecia desgasto e fadado ao esquecimento ao decorrer dos últimos anos.
No entanto, em 2013 o estúdio independente Red Barrels trouxe uma grata e aterrorizante experiência aos velhos e novos fãs do “survival horror“: Outlast, jogo onde os jogadores eram transportados para um manicômio infestado de doentes mentais sanguinários que não mediam esforços em perseguir e atacar o jogador. Tudo seria mais um jogo clichê, não fosse a esperta sacada da equipe canadense em entregar ao jogador uma experiência sem igual até então, onde sua única arma a ser utilizada durante toda a jogatina é tão somente uma câmera filmadora, com a qual deve-se registrar tudo ao seu redor para melhor entender a história e principalmente tentar sobreviver em meio ao caos.
Aliado a esta vulnerabilidade, está o nível criativo que o jogo foi capaz de entregar, mostrando cenas e situações que nem mesmo os atuais blockbusters do cinema ousam a fazer. Logo, sua sequência se tornou extremamente aguardada e finalmente podemos sentir novamente o medo e desespero do escuro e desconhecido. No papel do repórter investigativo Blake, cuja missão principal é encontrar sua esposa e parceira de trabalho, o jogo de desenrola com muitas cenas de extrema violência e tensão. Repleto de inspirações reais e cinematográficas, Outlast 2 prometia entregar muito mais, no entanto, parece se perder dentro da linearidade de seu próprio universo.
Parece um pesadelo, mas é real
Talvez o ponto principal do jogo original fosse sua ambientação, que reproduziu de maneira única um ambiente simples mas extremamente inquietante e claustrofóbico, que por vezes nos fazia sentir medo com uma simples porta que se fechava sozinha ou uma sala escura repleta de cabeças humanas enfileiradas em prateleiras. Essa importante característica está presente em Outlast 2, nos transportando dos corredores de um hospício á uma espécie de vilarejo macabro no deserto do Arizona.
A equipe não poupou esforços em reproduzir um ambiente que por si é tão ou mais apavorante que o do primeiro jogo, estando repleto de elementos que criam uma das melhores, ou “piores” se desejar, ambientações que um jogo de terror já teve até então. Por se tratar de uma zona rural abastada, há vários elementos típicos de tais áreas, como foices, currais, cata-ventos, abatedouros de animais, poços d’água, etc. No entanto, a forma como estes elementos são colocados á favor do propósito do jogo ajudam a realmente nos fazer sentir o medo de forma natural e espontânea, pois quem não apressaria os passos ao se deparar em um lugar escuro, repleto de animais cortados ao meio com seus órgãos expostos e vários sinais exotéricos, como cruzes e textos bíblicos espalhados ao redor?
Indo além, em determinados momentos do jogo, somos transportados á uma espécie de sonho no qual nos vemos presos em uma escola católica na qual o protagonista passou sua infância. Esses momentos nos lembram muito do primeiro game e são uma excelente adição ao escuro e imenso vilarejo.
“Há aqui vários elementos naturais e cotidianos com os quais somos habituados, mas que utilizados da forma correta acabam criando uma atmosfera extremamente perturbadora e imunda, fazendo você se sentir o próximo animal a ser abatido.”
O gráfico que assusta
Graficamente, Outlast 2 está lindíssimo usando e abusando de texturas de alta qualidade, efeitos de sombra e iluminação precisos e consistentes além de uma sonoplastia digna dos melhores filmes de Hollywood. Todos estes elementos ajudam a enfatizar a imersão do jogador no universo do game, prendendo sua atenção a cada detalhe. Assim como no primeiro game, há trechos onde a total escuridão é tão inquietante como o som dos inimigos se aproximando, mas utilizar a câmera e sua visão noturna sempre acabam por revelar vários detalhes apavorantes e muito bem criados, deixando claro que a ideia dos criadores é, “use sua câmera a todo instante”.
” A atmosfera do jogo está muito bem recriada, mas é ao observar o mundo pelas lentes da câmera que vemos o esplender gráfico de Outlast 2 se revelar aos nossos olhos.”
Outro ponto importante na construção de Outlast é sem dúvidas seus efeitos sonoros, que aqui estão ainda mais angustiantes e por vezes me fizeram parar e me esconder para ter certeza que era meu personagem emitindo aqueles gemidos de medo e não um inimigo ao redor se aproximando. Mesmo o menor dos elementos no chão fará seu barulho próprio ao ser pisado, mostrando a atenção que foi dada a estes detalhes.
Definitivamente, este é um jogo para ser jogado em ambiente pouco iluminado e com um bom headset a sua disposição.
Quem tem medo do bicho papão?
A trama do jogo se desenvolve de maneira relativamente simples, sendo tal como no primeiro de suma importância que o jogador colete o maior número possível de documentos e gravações a fim de que melhor compreenda o contexto do jogo. Estes elementos não somente ajudam a compreensão da história, como também nos fazem refletir sobre a maldade humana e suas diversas crendices.
Desta vez, apesar de não possuir localização, o jogo traz todos os ícones e legendas em português, estando todos os documentos devidamente traduzidos, com um nível espetacular de precisão ao reproduzir termos e expressões realmente usadas no Brasil, como palavras “chulas” que somente o nosso Tupiniquim nos permite, chegando por vezes a ser mais explicito que o original em inglês.
Associado a isto, agora existem também novos recursos trazidos pela câmera, que além de poder ser utilizada embaixo d’água, apresenta o recurso de áudio, capaz de captar vozes e ruídos com certa distância, sendo uma ótima oportunidade para descobrir se há inimigos por perto. Mas tenha cautela, pois este recurso assim como a visão noturna consome bastante a bateria, sendo este um dos pontos que nos deixam ainda mais apreensivos no game, pois acredite, ficar perdido em um milharal intenso e escuro com caipiras malucos te perseguindo com facas na mão sem ter sequer sua inseparável câmera para lhe guiar a saída é uma missão um tanto quanto ingrata.
” Apesar de simples, a história de Outlast 2 nos conquista por sua construção aterrorizante e sombria, revelando traços macabros da mente humana que, apesar de um jogo, pode sim ser real.”
Outro adição muito bem vinda é o replay de tudo aquilo coletado ou gravado no jogo, onde através dos menus da câmera Blake tem acesso aquilo que foi salvo e profere seus pensamentos e opinião própria sobre o ocorrido.
Ao decorrer da história, pude deparar com situações e referências claramente tiradas de outras obras, como The Shining (1980) e Children of the Corn (1977). Mas sem dúvidas, uma das principais conotações em Outlast 2 está justamente na construção narrativa e ambientação do jogo, onde um grupo de fanáticos religiosos guiados pelo líder Knoth, cometem assassinatos, estupros, mutilações, tudo isso sob alegação de ser a “vontade de Deus”. Parece coincidência, mas tudo isso é como um resumo informal do que acontecera de verdade nos anos 50 no Indiana, nos Estados Unidos, onde a seita exotérica denominada People’s Temple, guiada pelo carismático e sociopata Jim Jones, cometeram vários assassinatos e estupros, até serem descobertos pela polícia e fugirem, se exilando na América do Sul, onde formaram a utópica Jonestown. Não demorou muito para seus atos serem redescobertos e influenciados pela mente perturbadora de seu líder, todos os integrantes da seita envenenaram seus próprios filhos se matando em seguida, sendo este considerado o maior suicídio em massa da história moderna.
Onde a linearidade realmente atrapalha
Outlast é um jogo linear, mas isso não é surpresa alguma. O primeiro game também foi, e a história nos prova que é sim possível termos excelentes títulos mesmo que haja somente um caminho a ser seguido. O problema aqui não é a falta de opções para se chegar a um destino ou escapar de um inimigo, já que só existe um diga-se de passagem, mas sim a forma orquestrada identicamente com que os inimigos reagem em determinados momentos. Não se iluda achando que poderá passar por certo inimigo sem que ele te veja ou até mesmo surpreendê-lo, pois ele está “programado” para te ver de qualquer forma, independente do que você faça. Chega a ser engraçado as vezes, para não dizer frustante, pois nesses momentos onde os inimigos seguem um script mesmo que você esteja no escuro e claramente não seja possível que te vejam, ele virá ás cegas atrás de você como se soubesse desde o início onde você está e te ataca.
” O roteiro que os inimigos do jogo parecem seguir, por vezes, tiram o brilho de momentos aterrorizantes que poderiam ser únicos e memoráveis, os deixando chatos, repetitivos e extremamente frustantes.”
Nesses momentos nos damos conta da fraca inteligência artificial do jogo, que é montada sobre momentos específicos, não abrindo espaço para algo novo. Dessa forma, em determinados trechos tudo que você tem que fazer é morrer duas, três, até cinco vezes para descobrir onde está a saída e como driblar o inimigo, já que o comportamento e trajeto dele será sempre igual toda vez que você jogar. O problema é, após fazer a mesma coisa e encarar o inimigo do mesmo jeito pela décima vez o único sentimento presente é o de frustração, desaparecendo totalmente o medo. A título de exemplo, quando jogava o excelente The Evil Within, mais especificamente o capítulo 9, por diversas vezes tive de fugir do vilão do jogo, Ruvik. O problema era que não havia lugar determinado para que ele aparecesse, podendo ser á qualquer momento e em qualquer lugar que eu estivesse, devendo me esconder para não ser pego. Mesmo quando ele me encontrava, era possível fugir, mas se pego, ele não estaria justamente naquele mesmo ponto esperando pra fazer a mesma coisa, pois sua IA o fazia ser dinâmico e imprevisível, embora saibamos que há sim certa precisão quanto ao tempo em que ele surge.
Por fim, a estrutura de Outlast 2 é muito bem construída e mantém firme os fortes elementos do primeiro game, como sistema de exploração e sonoplastia gloriosa. No entanto, a falta de aprimoramento da IA dos inimigos muitas vezes tira toda a imersão de medo e pavor que o jogo tão bem nos passa. Ainda assim, Outlast 2 é um bom jogo, ainda que não supere seu antecessor. Com menos doses de sustos bobos ou jump-scares e mais voltado á real tensão psicológica, o jogo sem dúvidas figurará lado á lado do first-party da Capcom, Resident Evil, o que por si só já é um grande mérito, haja visto que Outlast 2 não é um AAA, mas sim um título independente.
Então, está pronto pra ser batizado nos baldes de sangue de uma seita macabra e doentia? Conte nos comentários sua opinião e…Expelliarmus.
Ficha Técnica
Título: Outlast 2
Data de Lançamento: 25 de abril de 2017
Gênero: Survival Horror
Plataformas: PC, PS4, Xbox One
Desenvolvedora: Red Barrels
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